Faltam pequenos retoques às enfiaduras de pinhões que rematam os arames, colocar as fitas, os beijinhos e os bolos de azeite, cozidos ontem (para não abrirem) e o andor está pronto para a procissão do Espírito Santo, que amanhã se realiza naquela localidade da freguesia de Soure. Só falta mesmo que São Pedro, para que a festa seja vivida a preceito.
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Depois de 12 domingos passados a partir pinhões e a construir pacientemente as enfiaduras, começou o não menos trabalhoso e delicado trabalho de enfeitar o andor. Uma tarefa que, à semelhança do que aconteceu nos últimos quatro/cinco anos, foi assumida por Manuel Gabriel, um dos «quatro ou cinco homens da freguesia» que, como sublinha Manuel Miranda, mordomo da comissão responsável pela organização das Festas do Espírito Santo, «sabe fazer este trabalho».
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Um trabalho exigente e complexo, que Manuel Gabriel - na casa dos 70 anos – fez sozinho, como manda a tradição, com devoção, saber e paciência, começando com a montagem do andor, tarefa que começou ainda na Semana Santa, antes da Páscoa, sublinha Manuel Miranda, acrescentando que, ao longo de 15/20 dias, o trabalho «começava todos os dias às 8h00 da manhã e acabava às 20h00. Doze horas de trabalho por dia», apenas com os necessários intervalos para “a bucha”.
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Cerca de 1.100 “enfiaduras” de pinhões, cada uma com uma média de 300 pinhões (depende sempre do tamanho do pinhão) foram pacientemente colocadas em redor dos arames do andor e a organização tem ainda disponíveis entre 100 a 200, para «responder a qualquer percalço» e permitir que Manuel Gabriel dê, ainda hoje e amanhã de manhã, os «últimos retoques» ao andor, que às 13h00 de amanhã sai de casa dos mordomos, da Amassada, para a capela do Espírito Santo.
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Segundo o responsável da comissão de festas, neste momento apenas «faltam as fitas, os beijinhos, arrematar as pontas dos arames e colocar os bolos de azeite», cozidos ontem, ingredientes que, “manda” a tradição, fazem parte do andor do Espírito Santo, que abre a procissão, a realizar amanhã. Um grupo de pessoas desloca-se à casa dos mordomos, pelas 13h30, onde todo o trabalho, que começou praticamente há um ano, começou a ser elaborado. Recolhe-se o andor que é levado para a Capela do Espírito Santo, acompanhado pelo som da banda e dos gaiteiros. E ali fica, em “resguardo”, sobre uma mesa, em frente ao altar, onde vai permanecer até às 19h000 de segunda-feira (saindo apenas para a procissão), disponível para ser admirado pela população e forasteiros. Entretanto, é realizada uma romagem ao cemitério, em homenagem a todas as pessoas da localidade do Espírito Santo que já morreram e, pelas 15h00 dá-se início à missa solene, acompanhada pela Banda de Soure, no final da qual se realiza a procissão, que conta com a presença de uma guarda a cavalo da GNR e o som da Banda de Soure.
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O ramo é o primeiro dos andores da procissão, que se desloca até ao Cruzeiro, nos limites da localidade. Seguem-se as imagens do Menino Jesus, Nossa Senhora da Encarnação, São João, Nossa Senhora de Fátima e Sagrado Coração de Jesus, para terminar com a Santíssima Trindade.
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Ramo dividido e partilhado pelas 282 famílias
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Terminada a procissão, o ramo regressa à capela, de onde volta a sair às 19h00 de segunda-feira, rumo à casa dos novos mordomos. Ontem ao final da tarde, de acordo com Manuel Miranda, já se conheciam quatro casais disponíveis para integrar a comissão responsável pela organização das festas do próximo ano. Faltava «mais um ou dois elementos», mas existia «a garantia de que para o ano a tradição do Espírito Santo vai ter continuidade».
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Relativamente à casa dos mordomos, exige-se que tenha espaço, uma vez que é necessário ter em linha de conta todo o complexo processo de apanha e resguardo das pinhas, da caruma, bem como das, pelos menos, 12 tardes de domingo passadas a partir os pinhões e construir as “enfiaduras”. A tradição manda que a população acompanhe o ramo, juntamente com os gaiteiros, sendo convidadas várias entidades da terra, nomeadamente o presidente da Câmara de Soure, vereadores, o padre da freguesia, entre outros, que habitualmente marcam presença e participam nesta “procissão” que leva o ramo da capela à casa dos novos mordomos. Aqui é servido um beberete e o trabalho recomeça no dia seguinte, ou seja, na terça-feira.
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Manuel Gabriel, que esteve emigrado em França mas não perdeu o espírito das tradições da terra, é de novo chamado, pois aquele que monta o andor tem também a tarefa de proceder à sua desmontagem. Agora é, todavia, muito mais fácil - «o trabalho demora não mais do que um dia», refere Manuel Miranda, com a vantagem de poder contar com alguma ajuda, o que não acontece relativamente à montagem. O ramo é então desfeito, com as “enfiaduras” de pinhões a serem desenroladas dos respectivos arames, uma a uma, até atingir as mais de 1.200 que o arranjo comporta.
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O início de um novo ciclo
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Desmontado o ramo, é tempo, também, de partir os bolos de azeite, em forma de ferradura, fatia a fatia, até se atingirem perto de 300. Cada fatia de bolo é, então, «colocada dentro de um saquinho, juntamente com duas enfiaduras de pinhões», explica o mordomo das festas. «Precisamos de fazer 282 sacos», pois correspondem aos 282 fogos existentes na localidade, cada um dos quais recebe, das mãos dos novos mordomos, um pequeno saco com este tradicional e apetitoso recheio.
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Esta entrega/partilha representa, de resto, o primeiro gesto de uma longa caminhada, cujo calendário “impõe”, em Agosto, nas tardes de domingo, a recolha da caruma e, depois, a partir do dia de Todos-os-Santos, também a apanha das pinhas, nunca menos de três toneladas, tarefa que “obriga” a subir aos pinheiros e a uma deslocação para as zonas de Condeixa e Penela, onde abunda o pinheiro manso.
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As pinhas são, depois, guardadas e protegidas da humidade até ao Natal e no dia de Reis dá-se início a nova “vaga de trabalho”, com a abertura das pinhas, contando com a ajuda de uma fogueira e de muitas mãos disponíveis para “cascabulharem” as pinhas e retirarem os pinhões. O pinhão é, então armazenado por mais uns tempos e, por alturas de Fevereiro – este ano foi no dia 3 – começa nova tarefa, sempre aos domingos. Com uma média de 15 homens reunidos, de martelo em punho, a partir pinhão durante uma tarde inteira. Enquanto outras tantas mulheres procedem à sua limpeza e começam a fazer as “enfiaduras” que irão ornamentar o andor do Espírito Santo.
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É assim em Soure desde o princípio do século passado. Desconhece-se a origem da tradição, mas o povo cumpre-a, ainda hoje, com devoção. A festa do próximo ano já está garantida.
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